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Questionamentos após Medellin: o ritualism


Hoje, o cristão praticante passa a maior parte do tempo que ele dedica à religião na rotina de ritos, missas e cerimônias religiosas. Isso é um condicionamento ‘de longa duração’, como dizem os historiadores, e não será superado de um dia para outro, pois a imagem ritualista continua profundamente enraizada na cultura eclesial, mesmo no imaginário das CEBs. Ainda afloram no subconsciente as antigas ordenanças rituais dos levitas judeus, remanejadas e apresentadas sob novas formas. Aflora a memória das preces, dos jejuns, dos dias sagrados, da imposição das mãos, dos preceitos. Aflora a mentalidade sacrificialista, de forma confusa e largamente inconsciente. Repete-se que se celebra ‘o Santo Sacrifício da Missa’ para expiar os pecados, que ‘Jesus morreu por nossos pecados’, que ‘ele é o nosso redentor’, ‘nos reconcilia com Deus’, ‘é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo’, ‘foi obediente até a morte para nos salvar’ (da condenação eterna) ’ e é ‘vítima inocente oferecida a Deus para salvar a humanidade do pecado’. Uma tarefa árdua espera a geração emergente, se ela estiver decidida em superar essas imagens por uma vivência mais consistente da tradição de Jesus.

Medellin 1968 tocou nesse ponto de forma indireta, quando declarou que a questão do ritualismo aqui, na América Latina, tem características próprias, que a distinguem do questionamento feito na Europa e na América do Norte em torno de questões como a secularização, o agnosticismo e o ateísmo. Na América Latina, o questionamento da religião não provém unicamente de ‘agnósticos’, mas também de teólogos comprometidos com a Igreja de Medellin. Isso fica claro quando se observa a diferença de posicionamento, nesse ponto, entre Dietrich Bonhoeffer (Europa) e José Comblin (América Latina).

Vejamos como esse último se pronuncia. No dia 18 de março de 2010, em San Salvador, no contexto da celebração dos trinta anos do martírio do arcebispo Romero, celebrada em 24 de março de 2010, o teólogo José Comblin descreve a distinção entre religião e evangelho com as seguintes palavras:

 

Na vida e no funcionamento da Igreja, a religião ocupa mais espaço e tem maior importância do que o evangelho’. A religião é um fato cultural, enquanto o evangelho é um apelo à ação. Na cultura ocidental, a religião é mais determinante que o evangelho, que teria que ser a força de contestação e transformação da cultura do Ocidente, sobrecarregada de desigualdades, injustiças e violências. No Ocidente, Jesus é mais ‘objeto de culto’ que modelo de seguimento. Na Igreja sobram ritos e cerimônias, e falta a mística do seguimento a Jesus, que veio para mostrar o caminho para que o sigamos. Isso é o básico, é o evangelho. Em seu âmago, o cristianismo não é religião, embora se expresse em termos religiosos. O que Jesus pediu aos seus discípulos era seguimento, não adoração, reza, culto, liturgia. A maioria, dos que hoje seguem o cristianismo, não trilha no caminho de Jesus, mas está no outro polo, na religião, ou seja, se dedica à doutrina, ensina a doutrina, defende a doutrina contra os hereges e as heresias’. Quem quiser aprofundar esse tema pode consultar o livro póstumo de Comblin: ‘O Espírito Santo e a Tradição de Jesus’ (Nhanduti Editora, São Paulo, 2012. Veja também, do mesmo autor: Fé e política. Problema do método teológico, Revista Latino-Americana de Teologia, edição especial, n. 80, maio-agosto 2010 (aqui, o teólogo estabelece a distinção entre religião e cristianismo).

Enfim, a posição de Medellin não é contrária à religião, mas declara que o rito (a missa, a reza, o encontro espiritual) tem sentido quando alimenta a ação no mundo.

 

Eduardo Hoornaert

 

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