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XV SEMANA TEOLÓGICA PE. JOSÉ COMBLIN

Vivenciando XV Semana Teológica Pe. José Comblin



No Brasil e em escala mundial, amargamos uma quadra histórica atípica e distópica, de profundo alcance destrutivo para o Planeta, para os humanos e os demais viventes. Uma conjuntura de crescente ascenso das forças de Direita, notoriamente cruéis e ameaçadoras para os empobrecidos e as empobrecidas. Inclusive, ao interno das Igrejas cristãs, a Profecia se tem mostrado cada vez mais escassa. É em tal contexto que se dá a organização da XV Semana Teológica Pe. José Comblin (STPJC).

Dando sequência aos preparativos de organização da XV STPJC, cuja 1ª Jornada Comunitária realizaremos, junto à Comunidade de Nossa Senhora de Fátima, no Alto das Populares, em Santa Rita-PB, no próximo dia 19 de Julho, estamos propondo como tarefa de reflexão comunitária, este breve texto, seguido de três questões provocativas a serem discutidas em pequenos grupos.

Atendo-nos ao tema geral desta XV STPJC - “José Comblin, com os empobrecidos de hoje, assumindo o Projeto de Jesus” -, partimos da constatação de um crescente distanciamento das práticas eclesiásticas predominantes, em relação à Tradição de Jesus. Ao revisitarmos, por exemplo, o livro “Jesus de Nazaré”, de autoria de Comblin, publicado pela Vozes em 1971, e conferindo o extenso elenco de citações neotestamentárias, especialmente dos Evangelhos, e comparando com o cenário das atividades predominantes nas Igrejas cristãs de hoje, percebemos um crescente distanciamento entre as práticas eclesiásticas corriqueiras, de um lado, e, de outro, as práticas características de Jesus e das primeiras comunidades cristãs.

Eis por que importa destacar trechos mais relevantes do livro de Comblin, que é composto por seis capítulos, versando sobre diferentes temas vinculados à vida de Jesus - 1. “O Homem”; 2. “Livre”; 3. “Irmão”; 4. “O Pai”; 5. “A Esperança”; 6. “A Missão”. Nesta Jornada, que nos baste uma especial atenção a algumas citações que julgamos mais oportunas para o nosso momento histórico (dentro e fora dos espaços eclesiais). Por exemplo:

Ao rememorar a convivência com seus discípulos, Comblin menciona “a desigualdade do relacionamento entre Jesus e os Doze” argumentando a partir do próprio Evangelho: “‘Não me escolhestes a mim: mas eu vos escolhi’ (Jo 15,16). Com essas condições, já se explica porque os evangelhos não dão valor às relações ‘interpessoais’ ou à psicologia da amizade. O relacionamento de Jesus com os seus discípulos não pode ser compreendido fora do quadro da missão. Jesus não se liga à família dos seus discípulos, aos amigos ou colegas. Tudo está subordinado à missão; ‘Outro dentre os discípulos lhe disse: Senhor, deixa-me primeiro enterrar meu pai. Mas Jesus replicou-lhe: Segue-me e deixa que os mortos enterrem os seus mortos’ (Mt 8,21-22).” (p. 22). Comblin ressalta ainda que “Essa prioridade da missão não deve ser interpretada no sentido de uma relação de pura funcionalidade. Dentro da vida comum a serviço de uma missão comum, nasceu um entrosamento profundo e um verdadeiro apego dos discípulos baseado num reconhecimento verdadeiramente humano. Os discípulos não são os sacerdotes serventes do culto de seu Deus, e tampouco são servidores ou empregados a serviço de uma empresa de conquista de pessoas. São colaboradores e realmente amigos.” (p. 23)

Outra atitude exemplar em Jesus observamos quando ele se relaciona com as multidões: “Jesus atraiu as multidões. Quando o povo teve conhecimento das curas maravilhosas que fazia, as multidões acorreram. Assim também acontece hoje quando surge a fama de um taumaturgo: as multidões se precipitam. Milhares e milhares de misérias humanas habitualmente escondidas aparecem à luz do dia. E Jesus não se nega à multidão. Ensina-lhe. Não reserva os seus ensinamentos a um grupo privilegiado. Fala para todos, aberta e publicamente, de acordo com as suas parábolas, a do semeador e a da semente, por exemplo (Mc 1,28,32,38; 2,1-11).” (p. 25-26)

Comblin chama a atenção ao aspecto da “liberdade”, na pessoa e no discurso de Jesus. “Jesus foi, antes de tudo, um homem livre. Fez resplandecer a sua liberdade diante dos adversários. O seu exemplo emancipou a consciência dos seus discípulos e abalou o poder daqueles que pretendiam discipliná-la. Morreu depois de três anos de vida pública apenas, porque não quis ocultar, nem sequer atenuar, as manifestações exteriores de sua liberdade: morreu porque desafiou a prudência e a sabedoria dos poderosos que se sentiram ameaçados pela sua liberdade. Essa liberdade não é apenas um traço de caráter, um sinal distintivo da sua personalidade. É muito mais: Jesus mostrou-se como homem livre porque a libertação e a liberdade eram o núcleo da sua mensagem. Paulo condensa essa mensagem em poucas palavras: ‘Fostes chamados, irmãos, à liberdade’ (Gl 5,13). ‘Para ficarmos livres é que Cristo nos libertou’ (Gl 5,1).” E continua Comblin, “Essa aspiração à liberdade, esse sentimento de liberdade, Jesus não os criou, não os inventou; encontrou-os no meio do seu povo. Porém, soube e quis mergulhar até o fundo da alma do seu povo, o povo de Israel, e suscitar do fundo da alma do seu povo uma exigência absolutamente radical, como nenhum israelita tinha feito até então.” (p.29).

Ao tratar da relação entre os judeus e os processos de libertação ao longo da história, Comblin, à luz do Antigo Testamento, destaca: “(...) a liberdade de Israel não se refere à sua relação com as demais nações puramente no plano da política internacional: a liberdade era e devia ser um modo de ser, uma forma de vida coletiva e pessoal com outra qualidade. Ser livre não é ser independente; é viver segundo o modo da liberdade (…)”. E continua, “O povo de Israel não é propriedade de ninguém: pertence a Deus. Nele, portanto, não há dominadores e dominados. Todos são membros da mesma aliança. Pois a aliança não é apenas um pacto entre Deus e as criaturas. É também um pacto em que todos os seres humanos ligados ao mesmo Deus se unem uns aos outros. É a primeira alusão na história da humanidade a um ponto reunido por um acordo voluntário. Quando se celebrou a aliança no monte Sinai, Deus disse: ‘Vós me sereis um povo de reis e de sacerdotes’ (Ex 19,6) (...) Deus quis dizer que os Israelitas não seriam servidores nem reis nem sacerdotes. Todos seriam reis e sacerdotes: todos seriam iguais entre si. As diferenças entre eles seriam apenas no serviço (assim postula o livro do Deuteronômio). A missão de Jesus situa-se na linha da promessa de um povo de reis e sacerdotes: um povo de irmãos, todos unidos por um mesmo pacto e uma aliança de fraternidade, todos iguais e respeitosos uns dos outros, de acordo com o espírito das leis que explicitaram esse espírito.” (p. 32).

A compreensão do sentido de liberdade e da libertação de Jesus, ressaltada no segundo capítulo, perpassa a compreensão de que ele “Era judeu e entendia a liberdade como os judeus.” “As pessoas livres já estavam presentes. Jesus já as tinha ao alcance da palavra. Esse povo formado pelos pobres de Israel era educado no espírito dos profetas. Não seria necessário suscitá-las. Elas, esse resto do verdadeiro Israel, seriam as emissárias, as missionárias da liberdade no mundo inteiro. O que era necessário fazer, então? Nada mais, nada menos do que proteger e garantir a liberdade desses pobres de Israel das ameaças, da sedução e da falsa educação dos líderes religiosos que, como maus pastores, enganavam o povo de Israel. As pessoas livres estavam aí, porém seduzidas, mantidas numa falsa escravidão por uma falsa interpretação dos fariseus, dos sacerdotes, dos escribas.” (p. 35). (...) “Era preciso ressuscitar o povo adormecido pelos maus conselheiros, paralisados por uma religião de preceitos e de obras, de temor e de rigor que lhe tirava completamente o espírito de liberdade e a perspectiva da vocação universal. Jesus definiu o seu próprio combate no ponto central. Era preciso desenganar o povo de Deus e restituir-lhe o sentido da vocação, despertá-lo para estar a serviço do Reino de Deus, devolver-lhe a sua autoestima e a consciência das energias divinas que Deus lhe entregara.” (p.36).

Ainda no segundo capítulo, no tópico “O Combate”, Comblin resgata algumas passagens de denúncias e acusações diretas a fariseus, a escribas, a herodianos: “Atenção! Guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes!” (Mc 8,15); “Os escribas e os fariseus ocupam a cátedra de Moisés; dizem e não praticam. Amarram pesados fardos nas costas dos homens, mas eles próprios não os querem mover nem com o dedo” (Mt 23,2-4). “Praticam todos os seus atos de modo a serem vistos pelos homens. Gostam dos primeiros lugares nos banquetes e das primeiras cadeiras nas sinagogas; gostam de receber saudações nas praças e de ser chamados rabbi pelos homens” (Mt 23,5-7). “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que fechais o reino dos céus aos homens! Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas que percorreis terra e mar para granjear um prosélito e, uma vez conquistado, o tornais merecedor do inferno duas vezes mais do que vós! Ai de vós, guias cegos! (...) (Mt 23,13-33)”. E, na sequência, destaca a preocupação das autoridades sobre a mensagem de Jesus: “A luta de Jesus não vai diretamente contra as autoridades sociais, nem contra as autoridades judaicas: é apenas uma luta contra o partido religioso, contra uma interpretação da religião. Porém, as autoridades perceberam muito bem que essa interpretação de Jesus não é uma opinião qualquer de uma nova escola rabínica, uma entre muitas. Adivinham que esta nova interpretação questiona a sociedade inteira. (...) Mas a posição de liberdade e de proclamação da liberdade do povo de Israel constituíram uma ameaça. Daí a preocupação das autoridades. Jesus não faz nenhum ato de insurreição. Mas tampouco faz qualquer gesto de conciliação para tranquilizar as autoridades. Mantém toda a sua liberdade.” (pp.40-42).

Nesse percurso sobre as temáticas do livro “Jesus de Nazaré”, Comblin, no capítulo 4, em que trata do “Pai”, destaca um importante aspecto da caminhada de vida e da espiritualidade reinocêntrica de Jesus. No tópico “Vivência”, diz Comblin:

“Se os evangelhos não nos fornecem nenhuma doutrina abstrata sobre o Pai, podemos reconstruir a partir das atitudes de Jesus o modo de se viver como seus filhos. O Pai é conhecido numa vivência. Jesus mostra-nos que o que importa não é invocar constantemente o nome de Deus, e sim viver de um modo tal que corresponda à vontade do Pai. O que o Pai quer não é que os filhos fiquem sempre preocupados com Ele, e sim realizem neste mundo o seu plano e cumpram a missão que Ele lhes entregou. (...) Nisso, o cristianismo é diferente de todas as religiões conhecidas e Jesus revela um Deus desconhecido: um Deus que não se interessa pelo culto e nem deseja culto, mas quer uma existência humana dedicada ao serviço das pessoas. Jesus não inventou nenhum culto, nem praticou um culto: porém ele veio ‘para servir e dar a vida em resgate para humanidade’ (Mt 20,28). O Pai não quer homenagens nem louvores, Ele quer que a missão de servir a humanidade seja cumprida.” (p.77). Continua Comblin: “Com essas condições, o verdadeiro serviço a Deus não é vivido por meio da dedicação a um culto. Deus não precisa de escravos a seu serviço. O serviço de Deus é cumprir uma missão. A obediência a Deus significa a dedicação de todas as energias humanas para organizar a própria vida na realização da missão recebida. Jesus obedece ao Pai, não no templo de Jerusalém, oferecendo sacrifícios, e sim nas estradas da Galileia, realizando a sua missão de pregador, taumaturgo e testemunha. Esse relacionamento de obediência criadora e criativa repercute no relacionamento de Jesus com a realidade e com as pessoas do seu tempo.” (p.78).

“Vejamos em primeiro lugar como o serviço ao Pai marca a realidade. Constata-se que a aceitação radical de sua missão tornou Jesus uma pessoa livre e despreocupada em relação aos acontecimentos e às situações do mundo exterior. Ficou livre do medo, das preocupações, da angústia que não abala a sua personalidade. Até nos piores momentos da sua existência, a aceitação de sua missão ocupou de tal forma a sua pessoa que a angústia não encontrou espaço no seu interior. O temor não consegue perturbar as raízes da missão de Jesus. Nada consegue perturbar a sua pessoa e o seu espírito. Daí esses textos famosos: ‘Não estejais preocupados por causa de vossa vida (...) o vosso Pai celeste as alimenta (....) Não vos inquieteis (...) vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isto (...) Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã trará os seus cuidados. Basta a cada dia o seus cuidados’ (Mt 6,25-34).” (p.78).

“Em meio a todos esses acontecimentos e através deles, Jesus percebe o advento de uma realidade inelutável: O Reino de Deus. Esse conceito de Reino de Deus é uma criação sua (...) Na ideia de Jesus, porém, o Reino de Deus reunia todos os aspectos da sua esperança: sintetiza tanto a meta final como as provações e as resistências (...).” (p.92). 

 

“Não é o servidor maior que o senhor, nem o mensageiro maior do que aquele que o enviou. Se vocês compreenderam isso, serão felizes se o puserem em prática (Jo 12,16-17)”. (p.114).



Motivados pela Esperança e confiantes na Missão para a qual Jesus nos envia, por meio do Espírito do Ressuscitado, somos chamados a refletir sobre as seguintes questões:

 

  1. À semelhança (ou diferentemente) do tempo de Jesus, na Galileia, e de outros tempos, que outros rostos de empobrecidos e empobrecidas podemos observar, em nossos dias?

 

  1. Em nossas Igrejas atuais, cresce a tendência ao louvor, à adoração e ao extremo devocionismo. Como Jesus testemunhava sua obediência ao Pai?

 

  1. Que experiências e práticas ensaiadas entre nós nos ajudam a dar razão à nossa Esperança (cf. I Pd 3:15)? 




João Pessoa, 14 de junho de 2025

 

Contribuição do Grupo Kairós

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