Neste sábado próximo passado, dia 23/08/2025, realizamos a II Jornada Comunitária - no Campo e na Cidade -, como parte da programação da XV Semana Teológica Pe. José Comblin (STPJC). Coordenado por João Batista Barbosa, do Grupo Comblin, o encontro se deu no Centro de Formação Pe. José Comblin, em Café do Vento, município de Sobrado-PB. Estiveram reunidos os/as integrantes dos diversos grupos organizadores das STPJC e membros das comunidades vizinhas a Café do Vento: do Grupo José Comblin (Pe. Hermínio, Pe. Wancelei, João Batista, Elenilson, Maria José, Cesária) além da presença e participação de Jacinto, Izaquiel, Luiz Carlos, Valdilene; do CEBI (Edna Maria, Glória); do Kairós (Alder, Lúcia Maria, Aparecida); contamos também com a presença de Michelle Gonçalves e Robson Oliveira, membros da Rede Caminho da Esperança e Irmandade dos Mártires da Caminhada.
A Jornada iniciou-se as nove horas com a leitura do Evangelho (Lc 13,22-30), proclamado por Glória. Em seguida, fomos todos chamados a fazer uma breve reflexão, iniciada por Pe. Hermínio, que destacou que todo profeta caminha, que para todo profeta existe um caminho. Na passagem lida do Evangelho, Jesus caminha para Jerusalém e esta representa o sistema dominante, que sempre mata os profetas. Os centros detentores do poder, de ontem e de hoje, sempre perseguem os profetas. Outras pessoas também complementaram a reflexão sobre o Evangelho, destacando os tempos sombrios em que vivemos; os caminhos largos são atraentes e enchem superficialmente os corações, enquanto os caminhos estreitos implicam mais dificuldades e por isso, exigem mais dedicação e empenho; os últimos serão os primeiros; o Deus de Jesus, no entanto, precisa de nós para fazer a sua justiça.
Em seguida, João Batista manifestou “A alegria do retorno da Jornada Comunitária ao Centro José Comblin”, ressaltando o papel transformador que o Centro possui para a comunidade. Dando continuidade, Elenilson foi convidado a rememorar as Semanas Teológicas, ocasião em que destacou o papel da teologia combliniana que se manifesta de forma viva e autêntica na cultura e na história, até os dias de hoje, como também é direcionada para o encontro com as pessoas, com sua história e com sua identidade. Dessa forma, a Semana Teológica é a comprovação de que a teologia de José Comblin dialoga com o tempo presente. Em seguida, Elenilson fez memória dos temas das 15 Semanas Teológicas, desde 2011. (Ver memória das Semanas Teológicas no “site” https://teologianordeste.net/).
Dando prosseguimento à dinâmica dos trabalhos da Jornada, iniciamos uma roda de apresentações para a qual foi convidada Maria José, por sugestão de Alder Júlio. Maria José foi a primeira moradora do Centro, tendo chegado em 1991, quando fazia parte do Grupo das Missionárias do Meio Popular. Comblin, mesmo viajando muito, sempre que podia, vinha para a casa do sítio, ainda em condições muito precárias (sem energia, nem água, e com pouca vizinhança). Maria José fez menção ao fato de Pe. José ter plantado, entre outras árvores, uma mangueira, demonstrando o cuidado com o meio ambiente já nos anos 1990. Maria José também era muito próxima de Mônica Muggler, de Raimundo Nonato e João Batista Magalhães, todos membros da vasta família combliniana. Em seguida se apresentaram os demais participantes.
Na sequência, foi feita a leitura compartilhada do texto-base produzido pelo grupo Kairós, que vem sendo trabalhado ao longos da XV STPJC. Ao fim da leitura a coordenação abriu para breves considerações. Pe Wanceley colocou que a Liberdade não tem preço e que Jesus, ao assumir sua liberdade, rompeu com os setores dominantes da sociedade da época tendo-se inclusive indisposto até com familiares. O caminho da liberdade assumido por Jesus o levou para a morte e a morte era o único destino que se tinha para Jesus, que é o destino de todos os profetas e com Jesus não poderia ser diferente. Lembrou ainda que, de acordo com Frei Betto, Jesus não morreu de morte natural, Jesus foi morto. E foi morto por conta de suas escolhas. Jacinto colocou que os ensinamentos de Jesus nos direcionam para as nossas próprias escolhas, que é preciso saber escolher os nossos governantes e nossos líderes, uma vez que exercem forte influência nas massas e são decisórias para as eleições. Rememorando a trajetória profética de um outro missionário, destacou que Pe. João Maria Caucchi era um discípulo verdadeiro de Jesus. Cezária colocou que Padre José era um profeta e que várias vezes profetizou sobre o tempo presente; alertou, várias vezes, para não nos escandalizarmos com o que está acontecendo agora; que não podemos desanimar com as pessoas que se preocupam muito mais com os bancos da Igreja, com os paramentos dos padres e coroinhas, do que com aqueles que estão nas portas da Igreja pedindo esmolas, ou com as crianças que estão sofrendo com doenças, com fome e com a morte. Edna chama a atenção para os ensinamentos de Comblin e a Liberdade. De como hoje a escravidão não precisa de chicotes ou de agressões físicas, quando as pessoas estão se sujeitando a tecnologia e as falsas ilusões do mundo moderno. Ao fazer memória sobre as mortes e assassinatos de mulheres e LGBTs, vemos um mundo doente e discriminador, que não aceita as religiões afro-indígenas e as diferenças. Atualmente, atravessamos um momento muito desafiador nas escolas acentuado pelo conflito geracional (desrespeito de crianças aos adultos) ampliando assim a escravidão de corpos e de mentes; tratou, ainda, da precarização do trabalho (“uberização”), como a luta pelo fim da escala 6x1 e a nova escala das bigtecs, em que os funcionários trabalham de casa, das nove da manhã as nove da noite, em um regime que está sendo chamado de 996, com o agravante de se julgarem empreendedores autônomos. A este propósito, Alder Júlio sugeriu que todos assistissem ao documentário De la servitude moderne (https://www.youtube.com/watch?v=rczhi-yOicA).
Dando sequência às intervenções das(os) participantes, Michelle, ao tratar da questão geracional, refletiu sobre o mundo que os jovens de hoje herdaram da geração anterior: trabalhadoras e trabalhadores adoecidas(os), tornando-a por vezes desesperançada, como se estivesse caminhando para um buraco sem fundo. Mas aí lembrava que história é cíclica, que os eventos se repetem depois de certo tempo. Então agarrava-se na esperança despertada pelos povos de baixo, dos lugares empobrecidos, nos espaços esquecidos, nos rincões... a esperança está nos sertões, nos quilombolas, nos povos indígenas, nas mulheres... o Bioma Caatinga, tão castigado e mal compreendido, também é sinal de esperança; ressalta ainda que a luta de classes e a Ecologia são as mães de todas as lutas, que a morte não pode ter a última palavra e que temos a obrigação de lutar para deixar um mundo melhor para as próximas gerações.
Após as ricas contribuições, fomos organizados em três grupos de trabalho, em que cada grupo responderia, em 20 minutos, a uma das questão indicadas no texto base, retornando em seguida para a plenária de socialização. Os grupos foram assim distribuídos:
- GT 1. À semelhança (ou diferentemente) do tempo de Jesus, na Galileia, e de outros tempos, que outros rostos de empobrecidos e empobrecidas podemos observar, em nossos dias?
- GT 2. Em nossas Igrejas atuais, cresce a tendência ao louvor, à adoração e ao extremo devocionismo. Como Jesus testemunhava sua obediência ao Pai?
- GT 3. Que experiências e práticas ensaiadas entre nós nos ajudam a dar razão à nossa Esperança (cf. I Pd 3:15)?
Na plenária, um represente de cada GT apresentou a síntese das discussões, sendo complementado por outros membros da equipe. Em suma, destacou-se que:
As experiências que nos ajudam a dar esperança são aquelas que vêm das correntezas subterrâneas, das forças de baixo e dos pobres. São as experiências práticas cotidianas vindas das mulheres, que são a maioria da população e as mães da metade restante; as mulheres são minorias nas profissões mais prestigiadas pela burguesia, tanto na política, quanto nas casas legislativas, nos cargos de governança e de direção, nos cargos de chefias empresariais, eclesiais, e por isso devem ampliar sua participação nas instâncias de decisões e ampliar sua voz e sua vez; lembrou-se a condição opressiva a que se submete a própria Mãe-Terra (Abya Yala/Pachamama/Gaia), em sua dignidade, tendo como consequência o ainda maior empobrecimento das pessoas ao redor do mundo (os migrantes forçados, os deslocadas(os) climáticas(os), os refugiadas(os)/deportados; o povo palestino e os povos abandonados da Mãe-África, os precarizados/uberizadas(os)); razão pela qual, urge descolonizar nossas mentes, nossos corpos, nossas almas. No dizer de Nego Bispo: precisamos "contracolinizar", já que a colonização continua. Ressaltou-se ainda, que, mesmo em meio ao caos, a comunidade LGBTQIA+, como também a negritude, vêm obtendo conquistas a partir de suas organizações e de suas lutas. Isto é um sinal de esperança, sobretudo quando articuladas a diversos outros setores numa perspectiva de classe. Quanto à esfera religiosa, o "religare" não se aplica aos povos indígenas porque já são um com o Todo: EU SOU A NATUREZA!
As experiências e práticas que surgem dos movimentos populares, que estão comprometidos com o desejo de mudanças, a partir da transformação social e com os quadros políticos, como por exemplo da CPT, do MCP (Movimento das Comunidades Populares), e tantos outros movimentos populares do campo e da cidade, animados inclusive por figuras da Igreja Progressista, a exemplo de Pe. João Maria Caucchi padre Hermínio, como padre Wanceley e tantas outras figuras que fizeram uma opção pelos pobres, e que nos ajudam nas lutas e resistências protagonizadas pelas comunidades comprometidas com a libertação, e que tais resistências passam pelo processo de formação política e cidadã, como elemento de unificador, já que se permanecer dividido, não chegaremos a lugar nenhum. Experiências exitosas de formações precisam ter como finalidade a criação de grupos de estudos, que são fundamentais para alimentar a esperança. Dentro de uma contribuição educativa, embora de natureza informativa, da parte de Lúcia, foi lembrada a experiência das “Rotas”, como atividade rememorativa das história dos povos originários e comunidades quilombola, iniciativas realizadas periodicamente por grupos de João Pessoa, que buscam dar visibilidade a essas populações.
Especial destaque foi dado, a partir do Pe. Herminio, sobre o Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra - “CPT 50 anos - Presença, Resistência e Profecia”, com o lema “Romper Cercas e Tecer Teias: A Terra a Deus Pertence! (cf. Lv 25)”, que aconteceu em São Luiz do Maranhão -, um espetáculo de experiências de resistências do Brasil inteiro, oportunidade em que se demonstrou a força da esperança das mulheres quebradeiras de coco, camponesas, quilombolas e indígenas, tendo sido ainda destacadas as experiências da agroecologia, animadas pela CPT; foram também destacadas as contribuições dadas pela figura de Plinio Arruda Sampaio (“in memoriam”), sublinhando a necessidade da radicalidade evangélica, política e produtiva. A cerca deste Congresso, vale a pena consultar o texto-síntese publicado em (https://cptnacional.org.br/2025/07/25/carta-congresso-cpt/).
Após a partilha das reflexões dos GTs, seguimos para o encerramento da II Jornada Comunitária. Espaço aberto aos comunicados, Pe. Hermínio divulgou o curso on-line (pelo Zoom) sobre o Evangelho de Marcos, a acontecer semanalmente, às quartas-feiras, nos meses de setembro e outubro. Ao mesmo tempo, Aparecida (grupo Kairós) ressaltou a relevância dos estudos contínuos como fundamento teórico-prático do nosso compromisso transformador, a exemplo do que se tem vivenciado com o estudo sistemático (presencial e on-line) tanto da obra de José Comblin, quanto de outros teólogos e teólogas, inclusive teólogas feministas como Ivone Gebara e Elizabeth Schüssler Fiorenza, da qual estamos lendo, com entusiasmo, seu precioso livro “Discipulado de Iguais. Uma eklesia-logia feminista da libertação”. Por fim, Pe. Hermínio lembrou a todas e todos o encerramento da XV Semana Teológica Padre José Comblin, a ter lugar na Casa dos Sonhos, em Tibiri, no dia 27 de setembro próximo.
João Batista Barbosa (Grupo José Comblin), com contribuições dos grupos Kairós e CEBI
Café do Vento, 30 de agosto de 2025