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Eles não mereciam! Nem nós merecemos!

Genildo Santana

 

Em suas palestras, o professor Leandro Karnal fala que há dois brasis. Não os dois brasis que tanto falava Ariano Suassuna, ressoando a visão de Machado de Assis: o Brasil Oficial e o Brasil Real. Os dois brasis referidos pelo professor Karnal são os seguintes: o primeiro Brasil, representado pela política. Estes políticos, segundo Karnal, são obscuros, estúpidos, ignorantes, insensíveis, egocêntricos, arrogantes, desumanos, orgulhosos, prepotentes, se acusam mutuamente (“e todos com razão”, diz ironicamente o professor). O segundo Brasil é formado por aqueles que pensam, que lutam em pautas sociais, que agem coletivamente, que tem espiritualidade elevada, educados, que estudam, que não pensam só em si, que trabalham honestamente, que vivem a vida com leveza e virtude.

Pois bem! Nos últimos tempos e por conta principalmente da Pandemia, perdemos muitas vidas de homens e mulheres que viviam nesse segundo Brasil. Zuza Homem de Melo, Thiago de Melo, Elza Soares, Paulo Gustavo, Aldir Blanc, só para lembrar alguns.

Muitos desses(as) (e tantos outros(as), claro) sofreram, também na carne, principalmente na Ditadura civil-militar de 1964, as consequências da postura arrogante do primeiro Brasil.

Eles e elas não mereciam!

Não mereciam viver sob um Estado de regime autoritário, supressor de liberdades e exterminador de ideias e ideais, além de vidas...e não poucas vidas! Não mereciam o clima que se criou, de suspeição, de desconfiança, de medo, de dor...de morte!

Eles e elas não mereciam o Estado em forma de ditadura! Elza Soares não merecia sua casa metralhada, nem Manoel da Conceição ter fuziladas suas pernas. Frei Betto não merecia quatro anos de prisão, nem Padre Marcelo Carvalheira (depois Dom Marcelo Carvalheira, Bispo de Guarabira e depois Arcebispo da Paraíba) mereceu a prisão que teve. Zuzu Angel e Juscelino Kubitschek não mereciam ser “acidentados”. Caetano Veloso não merecia os anos de exílio, nem Josué de Castro, Paulo Freire ou Miguel Arraes. Frei Fernando de Brito não merecia as torturas que lhe foram feitas, nem Frei Tito, nem Celeste Vidal. E os exemplos podem se alongar. (O leitor lembre outros mais).

Nós também não merecemos.

Esse primeiro Brasil que atuou ontem atua hoje em manobras escusas, mais visíveis, mais cumpliciadas por seus pares e, assim agindo, provoca violência em todos seus níveis. Promove violência estrutural, cultural, simbólica, gerante, física. Violenta a Educação, a Cultura, as Artes, o Pensamento sério, comprometido com o humano e toda Alma sensível e que se manifeste a favor da vida, da humanidade.

Não merecemos um governo ou desgoverno, em forma de brutalidade, de milicianismo, de negacionismo, ignorância, corrupção, escárnio com a sociedade, sem uma pauta positiva ou uma agenda saudável. Um desgoverno que adoeceu a sociedade, principalmente por unir religião e política na pior forma possível.

Lamento e temo por algumas aproximações, como essa entre Estado e Igreja, seja qual Estado for e qual Igreja for. Diz Enrique Dussel (DUSSEL, 2015) eminente filósofo argentino, expoente da Filosofia da Libertação que “a razão que critica não e a mesma razão que legitima a coisa criticada”. Uma igreja, uma educação, uma cultura, um grupo social que legitima esse desgoverno, perdeu a consciência crítica ou a razão para criticá-lo. Os últimos anos no Brasil já mostraram a uma geração o quão terrível pode ser o primeiro Brasil, o quão um governo ou desgoverno pode ser cruel.

Dizia Torquato Neto, piauiense, grande nome da MPB, que “não adianta tirar o príncipe e manter o princípio.” Bem claro, não? Mais do que mudar o príncipe em 2022, teremos que mudar também os princípios que regem a política (em minúsculo mesmo, uma vez que há mais politicagem do que Política). Sem essas mudanças reais, continuaremos a ver vítimas do segundo Brasil, por um Estado que mais se assemelha ao e se mira no Estado-Leviatã de Thomas Hobbes. Estado que tudo controla e em todos os campos atua, não para o bem do cidadão, mas para perseguir, controlar, inibir.

Este ano de 2022, hemos de levantar (com os que já levantam) uma pauta para além das disputas partidárias. Uma pauta humanitária, libertária. Uma pauta que inclua reais mudanças nos princípios, nos modos de se fazer a e de viver na política. Sem essa pauta, 2022 (leia-se a eleição em Outubro) será só um paliativo, não trará a cura que realmente o país precisa. Mudemos o príncipe e os princípios, como dizia Torquato Neto. Mudanças por lei, uma vez que se dependermos da ética e da moral dos politiqueiros e de seus bajulantes apoiadores, tais mudanças jamais ocorrerão.

Podem objetar que essa reflexão é utópica, que é impossível e que pode ser até um pensamento infantil. Objeto à possível objeção afirmando a crença de que não há um só modelo de fazer política, de ser igreja, de educar. Pode-se e deve-se ser diferente. São Instituições Sociais (como bem estudou Durkheim) criadas na história pelos homens e pela cultura, a tal ponto que cada cultura criou sua igreja, sua educação, sua política e afins. É possível sonhar e realizar o sonho de uma política diferente desta que ai está implantada e, consequentemente, uma sociedade diferente.

Porém, em não acontecendo, continuaremos a ver um primeiro Brasil perseguindo, explorando, humilhando, detratando o segundo Brasil.

E não cremos que esse seja nosso eterno destino.

 

 

 

 

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