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As mudanças de rumo na vida de Helder Camara

 

 

Eduardo Hoornaert

 

Ao longo de sua vida, Helder Camara passa por três importantes mudanças de rumo, que descrevo aqui em breves palavras. Todas têm a ver com o tema Liberdade.

 

1. Quando, em 1931, aos 22 anos, Helder sai do Seminário de Fortaleza, ordenado sacerdote, ele mergulha imediatamente na vida política da cidade. Segue basicamente o catolicismo autoritário da época e se inquieta com o despontar de um pensamento ‘comunista’ em determinados grupos. Não hesita em escrever, em jornais da época, que os regimes de Hitler (na Alemanha) e Mussolini (na Itália) são modelos seguros a serem seguidos, ele veste a camisa dos integralistas de Plínio Salgado e anda com dois jovens militares pelos bairros da cidade para premunir o povo contra o ‘perigo vermelho’.

Mas ele não é bem sucedido em sua cidade natal e, em 1936, Helder se transfere para o Rio de Janeiro, onde inicia um lento e doloroso processo de revisão de suas posturas políticas, marcado por leituras individuais, principalmente de autores cristãos franceses, como Jacques Maritain, que lhe abrem a compreensão dos valores da democracia. Ele sente-se ‘libertado’, graças a uma incomum tenacidade intelectual e por sua humildade em se dispor a rever posicionamentos. E, com o falecimento do Cardeal Leme em 1942 e o final da segunda guerra mundial em 1945, abre-se um novo caminho em sua vida, um caminho de libertação. Eis a primeira mudança de rumo na vida de Helder.

 

2. Anos depois, em 1955, já como bispo auxiliar de Rio de Janeiro, o doravante chamado ‘Dom’ Helder recebe a incumbência de ajudar a organizar o 36º Congresso Eucarístico Internacional, a ser sediado na Capital do Brasil. Esse congresso vira um sucesso enorme e põe o Brasil, pela primeira vez, em cenário mundial. Dom Helder se revela excelente organizador, empolgante orador, grande comunicador. Querido e admirado, ele passa por bons momentos.

Mas acontece, no final daquele enorme sucesso, que o evangelho irrompe em sua vida. Dom Helder ‘descobre’ a pobreza reinante na cidade. No conto aqui os detalhes (que são interessantes e que você encontra em meu livro Helder Câmara, quando a vida se faz Dom, capítulo 4). Helder opta pelos pobres e isso muda tudo. Estava a caminho de se tornar um eclesiástico de grande sucesso e, de repente, muda o rumo de sua vida. Ele não é mais o mesmo. Ganha em termos de liberdade, mas, de outro lado, seu superior, o Cardeal Jaime, começa a desconfiar de seu auxiliar e o governador Carlos Lacerda entra numa relação tensa com ele. Enfim, seus relacionamentos mudam sensivelmente.

Aí se inicia o período mais conhecido da vida de Helder, marcado por uma desejável liberdade em tempos difíceis. Em 1946, ele tinha unificado a Ação Católica em nível nacional, em 1952 consegue o mesmo com o episcopado, com a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e em 1955 está na origem do ‘Consejo Episcopal Latino-Americano’ (CELAM). Grandes realizações em cima do princípio democrático. Entre 1962 e 1965, ele participa do Concílio Vaticano II, no final do qual articula o Pacto das Catacumbas. Seu renome internacional cresce exponencialmente a partir da década de 1960, com suas bem-sucedidas viagens internacionais, que fazem com que seu nome seja conhecido pelo mundo católico inteiro (o que suscita sentimentos de inveja no Vaticano). Em 1964, é nomeado arcebispo de Recife, lida com sucesso com o governo militar, sofre o assassinato de um de seus padres em 1969 e em 1970 pronuncia em Paris, diante um público de dez mil pessoas, um discurso em que acusa o governo brasileiro de cumplicidade em assassinatos e torturas de oponentes.

 

3. Com essas realizações, Helder adquire a imagem de ‘profeta’. Mas ele não para. A maior de suas contribuições está por vir. Nos primeiros dias do ano 1971 aparecem, nos cabeçalhos das Cartas Circulares que ele costuma mandar cada dia a grupos de mulheres que, no Rio e em Recife, acompanham suas ações e reflexões, e que representam frequentemente meditações feitas ao longo de suas vigílias noturnas, os dizeres Minorias Abraâmicas (Conto detalhes no capítulo 11 do livro acima assinalado). O que significam essas palavras? Significam que Helder, doravante, navega para novos horizontes, para além do temário democrático. Ele toma tal atitude por ter experimentado dolorosamente que a democracia só funciona por meio de politicagens e arranjos, que acabam tiram muito de seus intentos originais. Pois a democracia, concretamente, é feita de arranjos e só funciona quando larga propostas capazes de desafiar efetiva e diretamente o ‘sistema’. Como dizia Churchill: a democracia é um sistema ruim, mas não existe melhor.

A experiência de longos anos ensinou a Helder que pequenos grupos, livremente reunidos, são capazes de realizar o que a ‘democracia’ não consegue. Ele conhece grupos que agem em favor de despossuídos, mulheres e crianças desamparadas, indígenas e quilombolas, gente sem terra ou sem casa, etc. Aliás, essa é a ideia de Jesus, quando compara o Reino de Deus a uma semente no chão, um fermento na massa, um sal na comida, uma luz na escuridão. .

Para caracterizar sua intuição, Helder cava fundo na tradição bíblica e desenterra a figura de Abraão, o homem que se desinstala para ir livremente para onde Deus o chama.

 

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Considero a proposta de formar ‘minorias abraâmicas’ a principal contribuição de Helder Câmara em debates e reflexões cristãs, hoje, vinte e cinco anos após sua morte. Helder continua presente. Termino com uma sugestão: a de ler e reler suas Cartas Circulares, pois elas inspiraram suas ações e contêm a chave de compreensão de suas iniciativas.

 

 

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