Genildo Santana
Neste ano de 2025, o livro Fidel e a Religião, do dominicano Frei Betto festeja 40 anos de uma trajetória, no mínimo, interessante. Neste artigo, analisaremos, em três partes, o antes, o durante e o pós da publicação do livro mais viajado do escritor mineiro.
Vamos, pois, objetivamente. A elas
1 – Frei Betto e Fidel Castro
Frei Betto conheceu Fidel Castro, em 1980, nas comemorações do 1º Ano da Revolução Sandinista, feita pela FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), em Manágua, na Nicarágua, em 1979 e que sacudiu a política, assim como a igreja latino-americanas. No encontro, em 1980, estavam personalidades como Lula, o padre Miguel d’Escoto e Daniel Ortega, então líder da Revolução, hoje ditador da Nicarágua. A presença mais aguardada, porém, na festa revolucionária, era a de Fidel Castro, líder da Revolução cubana, ocorrida em 1959, que transformou a ilha em um país socialista.
Nesse encontro e após um breve diálogo, Frei Betto, que já publicara o belo livro Nicarágua Livre: o Primeiro Passo, foi convidado a ir a Cuba, para explicar a relação entre a Igreja Católica e o Estado. Era de interesse do comandante entender essa nova teologia que estava se formando na América Latina: a Teologia da Libertação.
Em 1981, começaram os trabalhos de Frei Betto de tentar aproximar a Igreja Católica cubana, da revolução. Nesse intuito, o frade dominicano fez várias viagens à ilha e se tornou amigo íntimo de Fidel Castro, com quem debatia, em longas noites, sobre os mais variados temas. Dizem Evanize Sydow e Américo Freire, no livro Frei Betto: biografia, que, depois de longas conversas com os bispos cubanos,
Betto começou oficialmente o trabalho que o levava até cinco vezes por ano à ilha. Além de intermediar as relações Igreja-Estado, também introduziu o Método Paulo Freire de educação popular em parceria com educadores populares de Cuba, o que, em sua visão, incorporaria mais a população ao processo revolucionário. (SYDOW. FREIRE. 2016. p. 248).
Entre seus vários trabalhos no Brasil, seu ofício de escritor e pregador dominicano, Frei Betto ia a Cuba realizar esse trabalho e se encontrar com Fidel Castro. Intermediava sempre seu papel, Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns, por quem Fidel nutria grande admiração. Claro que a ditadura civil-militar brasileira fazia de tudo pra dificultar esse trabalho do Cardeal Arns e de Frei Betto, que já era uma referência na educação latino-americana e entre os escritores latino-americanos.
Essa relação de amizade entre Fidel Castro e Frei Betto durou até a morte do comandante, aos 90 anos, no dia 26 de novembro de 2016.
2 – Fidel e a Religião: uma entrevista
Foi durante essas viagens a Cuba, em meio aos muitos compromissos que, em 1985, Frei Betto, na condição de jurado do prêmio literário da Casa das Américas, teve uma longa conversa com Fidel castro. Longa mesmo, pois segundo Frei Betto, durou nove horas e trataram, entre vários temas, sobre a Teologia da Libertação. Diz Frei Betto:
Fui então, convidado a uma audiência privada com Fidel Castro. Retomamos o tema abordado em Manágua, acrescido pela polêmica em torno da Teologia da Libertação. O interesse despertado no dirigente cubano permitiu que o diálogo prosseguisse nos dias seguintes. Foram nove horas de conversas dedicadas à questão religiosa em Cuba e na América Latina. BETTO, 1986. p. 21.)
Foi, pois, a partir desse diálogo privado com Fidel que surgiu, em Frei Betto, a ideia de fazer um livro com o comandante, onde pudessem abordar os temas pertinentes ao momento histórico vivido por ambos e pela América Latina.
Frei Betto diz que,
Retomei o projeto desta entrevista, aceito por ele, para data posterior. O editor Caio Graco Prado não mediu esforços e recursos para efetivá-lo. Em maio, retornei à ilha. Sobre o tema da religião foram 23 horas de conversas entre o autor e o comandante Fidel Castro, cuja transcrição, oferecemos, agora, aos leitores. (BETTO. 1986. p. 21).
Com o material em mãos, ciente do valor que aquelas fitas tinham, Frei Betto retornou ao Brasil para encarar os desafios da publicação.
E o livro se fez, publicado pela editora Brasiliense. Falar assim parece, e é, simplório. Não foi só mais um livro a ser publicado. E é a trajetória desse livro que abordaremos agora.
3 – Fidel e a Religião: um livro.
O livro, fruto da entrevista, causou no meio intelectual não só brasileiro ou latino-americano. Foi conhecido no mundo. Afinal, pela primeira vez o idolatrado - e odiado - líder cubano abria a alma e a mente para o mundo. O livro vai da infância de Fidel à Revolução, a análises políticas, econômicas, religiosas.
Composto de um Prefácio, e dividido em duas partes, o livro trata de Cuba e da América Latina, assim como de vários problemas da atualidade, além de contar com alguns textos do próprio Frei Betto.
Em Cuba, a primeira edição, com 360 mil exemplares se esgotou em duas horas, quando lançado em dezembro de 1985. O lançamento se deu no II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos da América Latina, no palácio das Convenções, em Havana. Cerimônia presidida pelo próprio Fidel Castro, com presenças de Ernesto Cardenal, Gabriel Garcia Marques, entre outros.
Segundo Evanize Sydow e Américo Freire,
Fidel e a Religião é um dos maiores best-sellers da história editorial cubana. Entre inúmeras entrevistas dadas por Fidel Castro, nunca se havia tocado no tema religião. Representou uma surpresa para os cubanos e o mundo que Fidel afirmasse a necessidade de união entre cristãos e comunistas. Outra grande novidade da entrevista foi mostrar que para ser marxista não pe necessário deixar de ser cristão. (SYDOW, FREIRE. 2016. p. 15).
O livro vendeu tanto em Cuba que o Ministério da Cultura chegou a proibir a venda de dois exemplares por pessoa. A polícia teve que ir às livrarias para impedir confusões.
Traduzido para mais de 20 idiomas, foi sucesso editorial em 32 países, numa tiragem que passou de 1,3 milhão de exemplares, segundo Evanize Sydow e Américo Freire.
A obra Fidel e a Religião, de Frei Betto é fundamental para compreendermos, hoje, parte dos conflitos latino-americanos, e a luta do povo contra o neoliberalismo. Uma narrativa na contramão do discurso midiático hegemônico e neoliberal. Um olhar para compreender a luta latino-americana em busca de libertação.
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Em 2016, Evanise Sydow e Américo Freire publicaram o livro Frei Betto, biografia, cujo prefácio foi feito por Fidel Castro, que morreria no final daquele ano.
Como disse Fidel:
“SE ALGUÉM PODE FAZER DE MIM UM CRISTÃO, É FREI BETTO.”
Fontes consultadas:
Betto, Frei. Fidel e a Religião, conversas com Frei Betto. 20ª edição. Ed. Brasiliense. São Paulo. 1986.
Sydow, Evanise. Freire, Américo. Frei Betto, biografia. 1ª edição. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2016.