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DEUS, AINDA ESTÁS AQUI?

Como falar de Deus depois de Auschwitz?

Vos perguntais vós,

aí, do outro lado do mar, na abundância.

Como falar de Deus dentro de Auschwitz?

Perguntam-se aqui os companheiros,

cheios de razão, de pranto e de sangue

metidos na morte diária de milhões ...

 

Dom Pedro Casaldáliga

A pergunta titular não é uma ironia, tampouco um desaforo. Não constitui uma heresia, como não é uma crise de fé. Não pressupõe a morte de Deus, como propalada séculos atrás, nem um insulto Àquele que tudo fez e nada do que foi feito foi feito sem Ele.

Alexandre Dumas, no belo romance O Conde de Monte Cristo, colocou na boca do carcereiro do Castelo de If, quando chicoteava Edmond Danté, preso injustamente, a seguinte expressão:

- Se você está se perguntando por que eu? Por que Deus permite isso? A resposta que tenho é: Deus não visita a França nesse tempo.”

Para além da beleza literária, a expressão possui conotação metafísica. Revela ainda a condição de ausência real da divindade. Ausência sentida por conta de tanto mal que rodeava a realidade. A crítica proposta por Dumas pai é muito forte e nos serve de gancho nesse texto.

Numa das prisões de Auschwitz encontraram a pergunta crucial: “Deus, onde estás?”.

Mais do que uma descrença na divindade, soa mais como uma descrença na humanidade. Mais: naquela parcela da humanidade que se diz filha de Deus, sua seguidora, sua representante na terra, mas que em ideias e práticas, pensa e faz totalmente diferente da vontade do Deus da vida, do amor, do Bem.

O Mal que rodeia a sociedade, praticado pelo próprio ser humano, nos faz pensar mesmo se esse ser humano acredita em Deus. Se leva Deus a sério. Se bem que, como diz Frei Betto, “Ter fé em Jesus, até o diabo tem. Não é ter fé em Jesus, mas ter a fé de Jesus.”

O que vemos mais é Deus ser usado para práticas aterrorizantes. E, tal qual o Amor, seu nome é “usado em vão”.

Os problemas da atualidade nos suscitam essas questões: Nações inteiras sendo destruídas por outras nações prepotentes que se consideram “donas do mundo”, religiosos oprimindo outras religiões em nome do seu deus (em minúsculo mesmo). Limpeza étnica acontecendo com o aval dos políticos mais “poderosos”. O “Povo Eleito” ou dito eleito, de Israel, em nome de Deus, escancarou “as portas do inferno” em Gaza, para usar uma expressão de Netanyahu. Uma necropolítica, responsável pelos males que o país vive, feita por homens e mulheres que se dizem cristãos e cristãs.

A lista é imensa.

Então, nos perguntamos: Deus, onde estás? Ainda estás aqui?

Em livro escrito provavelmente em 313, Lactâncio, filósofo do século IV, colocou na boca de Epicuro o seguinte raciocínio lógico, quando tratou do Mal:

1 – Ou Deus quer acabar com o Mal e não pode;

2 - Ou Deus não quer acabar com o Mal, mas pode;

3 - Ou Deus não quer acabar com o Mal e não pode;

4 - Ou Deus quer acabar com o Mal e pode.

Eis como Lactâncio se expressa:

Ou Deus quer eliminar o mal do mundo, mas não pode, ou pode, mas não quer eliminá-lo, ou não pode nem quer; ou pode e não quer. Se quer e não pode, é impotente; se pode e não quer, não nos ama; se não pode nem quer, não é o Deus bom e, ademais, é impotente. (Epicuro, apud Lactâncio, in "Ira Dei" - "A ira de Deus).

 

Na primeira proposição Deus é bondoso, mas Impotente. Na Segunda assertiva, Deus é Maldoso e Potente. Na terceira afirmativa, Deus não é bondoso, nem potente. Todas as três contradizem algum Atributo Divino. Só a quarta proposição caberia a um Deus Bom e Potente.

E Lactâncio conclui sua reflexão com a seguinte pergunta:

Se quer e pode - e isto é o mais seguro - então, de onde vem o mal e por que Ele não o elimina?”

Não abordaremos as questões inerentes sobre a origem do Mal e sua natureza, já tratadas por tantos pensadores ao longo da Tradição Teológica, como Santo Agostinho e sua proposta do Livre-arbítrio.

Não jogamos pra Deus a responsabilidade pelo Mal que nos rodeia.

O que propomos nessas linhas é reformularmos a pergunta titular. Dá pra falar em Deus perante tanto Mal que nos rodeia? Dá pra justificar a Divindade diante de tantas agressões diárias por parte daqueles que se dizem seus seguidores, plenos de mensagens e posturas machistas, homofóbicas, misóginas, xenófobas? Dá pra justificar tanta perseguição política, religiosa? Cabe ainda o adjetivo de Cristão a quem assim age? Pode se dizer seguidor de Cristo quem persegue, oprime, mata o Outro, pelo simples fato de Outro ser. Todos vimos que os E.U.A. elegeram a Diversidade como a grande inimiga da “América”. Assim, legitima-se a perseguição a todos(as) e qualquer um(a) que não se encaixa nas características “americanas”. E, pior, o faz em nome de Deus.

Questionamos esse fazer em nome de Deus. Não o próprio Deus. E o fazemos porque tocamos em ponto nevrálgico: Quem assim age, afirma que Deus está com ele. Ora, a lógica é simples: Se Deus está com ele, que persegue e oprime e a ele, o perseguidor, opressor, expressou sua vontade, não pode estar com quem é oprimido, com quem sofre a perseguição. Teria Deus Duas vontades, dois princípios, duas lógicas, a do opressor e a do oprimido?

Pensamos que não.

 

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