Ao deitar na grama, não pude deixar de pensar sobre todas as gerações de seres humanos que haviam olhado para o mesmo céu, se perguntando o que havia além.
Carl Sagan
Em 40 citações a Bíblia se refere ao céu, sem ser, no entanto, um mesmo céu. São céus. A Bíblia, quando fala em céu, na realidade fala sobre três tipos de céus, a saber: o céu que é nossa atmosfera, este que nos cobre a cabeça, onde estão as nuvens; o céu que é o espaço, onde as estrelas estão, nas abóbadas celestes e o céu espiritual, este que é o nosso destino e que é a habitação de Deus e dos anjos. Dessa forma a palavra "céu" na Bíblia pode significar três coisas: o céu que nós vemos, o céu que nós não vemos e um símbolo de grande autoridade.
Mais frequentemente o céu é citado como o Éden, o Paraiso, a morada dos deuses, o destino das pobres almas dos pobres mortais que somos nós.
Não nos deteremos nesse sentido de céu. Falaremos sobre o céu das nuvens, o céu decantado pelos poetas, pelos literatos. O céu que nos cobre a vida e sob o qual várias vezes sonhamos e dormimos. O céu contemplado pelos olhos de toda a humanidade desde que humanos há nesse planeta.
Sob esse céu a humanidade construiu-se e destruiu-se. Sob esse céu os amantes sonharam e amaram. Sob esse céu lágrimas e risos trilharam nas rodovias das faces, espelhando almas alegres e tristes. O material visível do imaterial invisível que ninguém vê. Se há uma terra em que o humano não pode visitar, conhecer, colonizar, essa terra é a Alma humana. Não a Alma do ANIMA grego. Não a Alma que dá vida ao corpo. Nem a Alma no sentido judaico-cristão, como algo distinto do corpo, mais sagrado, mais belo. Mas a Alma Psiquê, do interior mais íntimo que nem seu próprio dono conhece. Essa alma é território inalcançável, inabitável por alheios estranhos. Estrangeiros não a cobicem. Jamais a terão em plenitude.
Esse céu que nos deu metáforas belas. Esse céu decantado por escritores e poetas, desde Homero. O céu a nós apresentado de maneira bela por Carl Sagan, notável astrônomo, no belo livro Cosmos, publicado em 1980. Um céu que ofertou aos nossos antepassados o mesmo brilho e a mesma beleza que nos oferta atualmente e há de ofertar às gerações vindouras.
Pois bem! Não de hoje, mas hoje com muita força, esse céu nos oferece também, não por parte da natureza, bela, encantadora, mas por parte de uma cultura bélica humana, tristes espetáculos. Espetáculos transmitidos em tempo real. São luzes e sons que, ao invés de extasiar olhos e ouvidos, assustam corações e mentes. São o brilho e o som da morte voando nos céus, outrora só dos poetas e sonhadores. Outrora só dos sonhos e das metáforas, o céu foi tomado por bombas e armas de destruição. outrora lugar do amor, hoje divide seu espaço com o ódio xenofóbico. Outrora de todos, hoje arrisca a ser o céu só de alguns.
São os inflamados egos, a irracional postura dos pretensos donos da terra, desde que o primeiro homem cercou um pedaço e disse: “- Isso é meu!”, como relatou Rousseau, dividindo-a em fronteiras onde o Outro não pode ultrapassar.
Os pretensos “donos da terra”, também não de agora, disputam o céu. Disputa iniciada no período que a História chama de Guerra Fria (1945 – 1989), quando as conquistas espaciais fizeram parte das agendas governamentais e o espaço, então de ninguém, passou a pertencer a uma e outra potência. Armstrong (E.U.A) e Gagarin (U.R.S.S.) testemunhem por nós. E o céu virou, mais no século XX, estendendo-se ao nosso século, espaço de batalhas e lugar de fúria humana.
E nos oferta tristes espetáculos.
Luzes e sons que tiram vidas. Luzes e sons que exterminam povos. Luzes e sons que prenunciam o estourar destruidor. Luzes e sons que ameaçam quem apenas quer viver. Potências ocidentais e orientais que disputam egos entre seus líderes, sendo que estes assistem, longe dos espaços de batalhas, as mesmas cenas de morte e destruição. E os fins nem pensam mais em justificar os meios. O objetivo é o que importa. Absolutizaram o fim e relativizaram os meios. Não só na política, com “p” minúsculo mesmo.
Estes são os tristes espetáculos que os céus nos ofertam. Ou melhor: espetáculos que os homens nos ofertam nos céus. Espetáculos de ódio, morte, destruição. E o céu tão decantado por poetas e escritores, desde Homero, perde em beleza, em espaço lúdico.
Mas, essa batalha neste céu que paira sobre nossas cabeças, remete a outra batalha em outro céu. Não raro, e também na atualidade, as batalhas feitas no céu, antes mesmo de se darem em sua materialidade, são, ao menos nas narrativas, nas injustificadas justificativas, disputadas numa dimensão espiritual ou imaterial. E os pretensos “donos do mundo” afirmam que obedecem e seguem a vontade de suas divindades. Não assumem a responsabilidade pelos seus atos humanos e colocam, em um nível divino, o que é meramente em nível humano.
Nada mais falacioso, nada mais inócuo, nada mais mentiroso. Nada mais “conveniente” aos inescrupulosos governantes do que transmutar a vontade humana em vontade divina. Atribuir aos deuses o que é tão só humano.
Se tais narrativas fossem verdadeiras, só poderíamos chegar, inevitavelmente, a uma conclusão:
São os céus e os deuses que neles habitam que nos fornecem tristes espetáculos.
E nisso, é impossível acreditar.